Que Hora é Esta?

É em vão que o sol doira
As asperezas da terra:
Secou na seara loira
Toda a esperança que ela encerra.


Baldadas todas as horas,
Todos os passos sem fim.
Murchou de vez o alecrim
Secaram roxas amoras.


É quente a água das fontes,
Escalda o sangue nas veias:
São de fogo os grãos de areias
E as pragas negras dos montes.


Para quê lutar ainda
Numa luta sem sentido?
Sofre-se por se ter sofrido
Esta angústia que não finda.


Angústia que sobe à boca
Que amarga como a amargura
- Existência mal segura,
Fazenda que mal dá roupa.


Cansaram-nos assim de tudo,
Todos nos pesam de mais
- Os poetas são jograis
E o seu cantar quase mudo

Tudo

Em surdina chegaste
E em surdina te vais:


- Oh felicidade que baste,
Que nunca bastas de mais!


E eu queria que ficasses,
De tal maneira ficada,
Que nunca mais me trocasses


- Por nada!

“Passo ante Passo...”

Passo ante passo,
para não ser pressentido,
o anjo da noite veio,
veio da noite vestido...


E todas as portas do mundo
se abriram de par em par:
que ele tinha tesoiros sem fundo;
para todos enganar...


E todas as portas do mundo
se arrependeram um dia
desses tesoiros sem fundo
que ele a todos prometia:


É que ele rasgou o manto,
o manto que tinha vestido,
e que lhe dava esse ar santo
para não ser pressentido....

Par ou Pernão

Lançaram-se os dados
no par ou pernão
e uns foram
outros não.


E houve saudades nos que foram
e revolta nos que não;
os que foram não voltaram
os que ficaram cá estão...


Jogaram-se vidas,
como se jogam dados:
olhos sem luz,
membros amputados
e uns foram outros não...


Vida?... Amor?...
Lançaram-se os dados: Par ou pernão?...